terça-feira, 21 de setembro de 2010

...nada fazer

Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afecto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis,pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés.Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho...o de mais nada fazer.

Clarice Lispector

sábado, 18 de setembro de 2010

Embalo

Ah, balouçado
Na sensação das ondas,
Ah, embalado
Na idéia tão confortável de hoje ainda não ser amanhã,
De pelo menos neste momento não ter responsabilidades nenhumas,
De não ter personalidade propriamente, mas sentir-me ali,
Em cima da cadeira como um livro que a sueca ali deixasse.

Álvaro de Campos
excerto do poema Encostei-me

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

explicação da eternidade

devagar, o tempo transforma tudo em tempo.
o ódio transforma-se em tempo, o amor
transforma-se em tempo, a dor transforma-se
em tempo.

os assuntos que julgámos mais profundos,
mais impossíveis, mais permanentes e imutáveis,
transformam-se devagar em tempo.

por si só, o tempo não é nada.
a idade de nada é nada.
a eternidade não existe.
no entanto, a eternidade existe.

os instantes dos teus olhos parados sobre mim eram eternos.
os instantes do teu sorriso eram eternos.
os instantes do teu corpo de luz eram eternos.

foste eterna até ao fim.

José Luís Peixoto
in A Casa, A Escuridão

Movimento contínuo

Ocupa de toda a tua força e de todo o teu poder quente
Meu coração a ti aberto!

Álvaro de Campos
excerto de poema in Poesia dos Outros Eus

terça-feira, 14 de setembro de 2010

A intenção de mim és tu

Tenho a sede das ilhas
E esquece-me ser terra
Meu amor, aconchega-me
Meu amor, mareja-me
Depois, não
Me ensines a estrada.
A intenção da água é o mar
A intenção de mim és tu.

Mia Couto

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CHEGUEI

Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.
PORQUE EU CHEGUEI E É TEMPO DE ME VERES,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.

Sophia de Mello Breyner

sábado, 4 de setembro de 2010