sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Carlos Drumond de Andrade

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

estado de graça

...a aflição é um estado de graça porque na aflição nos aproximamos do que não somos e isso pode salvar.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um dia de chuva

Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol.
Ambos existem; cada um como é.

Alberto Caeiro

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Hummmm

maravilhar-te as insónias
com o paciente crepúsculo da idade
acordar fora do corpo esquecer o olhar
sobre o pêlo ruivo dos animais beber
o fulgor das estrelas no esplendor da alba
nomear-te
para recomeçarmos juntos a vida toda

ensinar-te o segredo dos alquímicos minerais
acender-te um pouco de culpa
na imatura paisagem do coração

eis a travessia que te proponho
amanhecer sem querermos possuir o mundo
e no orvalho da noite saciar o desejo adiado
respirar a música inaudível das galáxias
sentir o tremeluzir da água no medo na boca

o amor
deve ser esta perseguição de sombras
esta cabeça de mármore decepada
ou este deserto
onde o receio de te perder permanece oculto
na sujidade antiga dos dias.

Al Berto
in O Medo

domingo, 3 de outubro de 2010

PENUMBRA

Na penumbra dos ombros é que tudo começa
quando subitamente só a noite nos vê
e nos abre uma porta nos aponta uma seta

para sermos de novo quem deixámos de ser

David Mourão-Ferreira
in Obra Poética

sábado, 2 de outubro de 2010

há barcos para muitos portos...

Estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há só um presente imóvel com um muro de angústia em torno. A margem de lá do rio nunca, enquanto é a de lá, é a de cá; e é esta a razão íntima de todo o meu sofrimento. Há barcos para muitos portos, mas nenhum para a vida não doer, nem há desembarque onde se esqueça.

Fernando Pessoa