quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DORME

Dorme sobre o meu seio.
Sonhando de sonhar...
No teu olhar eu leio
Um lúbrico vagar.
Dorme no sonho de existir
E na ilusão de amar.
Tudo é nada, e tudo
Um sonho finge ser
O espaço negro é mudo.
Dorme, e, ao adormecer,
Saibas do coração sorrir
Sorrisos de esquecer.
Dorme sobre o meu seio,
Sem mágoa nem amor...
No teu olhar eu leio
O íntimo torpor
De quem conhece o nada-ser
De vida e gozo e dor.

Fernando Pessoa

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Não tenho pressa.

Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.

Alberto Caeiro

terça-feira, 16 de novembro de 2010

linha pura do teu rosto

Na orla do mar,
no rumor do vento,
onde esteve a linha
pura do teu rosto
ou só pensamento
- e mora, secreto,
intenso, solar,
todo o meu desejo -
aí vou colher
a rosa e a palma.
Onde a pedra é flor,
onde o corpo é alma.

Eugénio de Andrade

domingo, 14 de novembro de 2010

DANAÇÃO DA ALMA

Não tardará a chegar ao fim
este Agosto que te viu passar
com a luz a teus pés.
Somos eternos, dizias.
Eu pensava antes na danação da alma
ao faltar-lhe o alimento que lhe trazias.
Agora a cidade
vive do peso incomensuravelmente morto
dos dias sem a tua presença.
Deixo a mão correr sobre o papel
tentanto captar o eco de uma palavra, um sinal,
e quem em qualquer parte cintila,
e confia ao vento o segredo da nossa tão precária eternidade.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

.

foram breves e medonhas as noites de amor
e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo
habitado ainda por flutuantes mãos

estava nu
sem água e sem luz que lhe mostrasse como era
ou como poderia construir a perfeição

os dias foram-se sumindo cor de chumbo
na procura incessante doutra amizade
que lhe prolongasse a vida

e uma vez acordou
caminhou lentamente por cima da idade
tão longe quanto pôde
onde era possível inventar outra infância
que não lhe ferisse o coração

Al Berto
in O Medo

domingo, 7 de novembro de 2010

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Diário

Seja o que for
Será bom.
É tudo.

Daniel Faria
in Poesia