Mas é assim o poema: construído devagar,
palavra a palavra, e mesmo verso a verso,
até ao fim. O que não sei é
como acabá-lo; ou, até, se
o poema quer acabar. Então, peço-te ajuda:
puxo o teu corpo
para o meio dele, deito-o na cama
da estrofe, dispo-o de frases
e de adjectivos até te ver,
tu,
o mais nu dos pronomes. Ficamos
assim. Para trás, palavras e versos,
e tudo o que
não é preciso dizer:
eu e tu, chamando o amor
para que o poema acabe.
Nuno Júdice
quarta-feira, 31 de março de 2010
domingo, 28 de março de 2010
4
Começa o tempo onde a mulher começa.
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
ÉS TU QUE ME ACEITAS EM TEU SORRISO, QUE OUVES,
QUE TE ALIMENTAS DE DESEJOS PUROS.
E UNE-SE AO VENTO O ESPÍRITO, RAREFAZ-SE A AURÉOLA,
a sombra canta baixo.
Herberto Helder
in O amor em Visita
é sua carne que do minuto obscuro e morto
se devolve à luz.
Na morte referve o vinho, e a promessa tinge as pálpebras
com uma imagem.
Espero o tempo com a face espantada junto ao teu peito
de sal e de silêncio, concebo para minha serenidade
uma ideia de pedra e de brancura.
ÉS TU QUE ME ACEITAS EM TEU SORRISO, QUE OUVES,
QUE TE ALIMENTAS DE DESEJOS PUROS.
E UNE-SE AO VENTO O ESPÍRITO, RAREFAZ-SE A AURÉOLA,
a sombra canta baixo.
Herberto Helder
in O amor em Visita
quarta-feira, 24 de março de 2010
terça-feira, 23 de março de 2010
brilho do olhar
Inventarei o dia onde contigo
e o outono corra pelas ruas.
A luz que pisamos é tão perfeita
que não pode morrer, como não morre
o brilho do olhar que te viu despir.
Eugénio de Andrade
in Poesia
e o outono corra pelas ruas.
A luz que pisamos é tão perfeita
que não pode morrer, como não morre
o brilho do olhar que te viu despir.
Eugénio de Andrade
in Poesia
segunda-feira, 22 de março de 2010
manhã
Estou
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo
Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar
Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão
Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira
A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos
Educadamente mortos
Mia Couto
e num breve instante
sinto tudo
sinto-me tudo
Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar
Ausento-me da morte
não quero nada
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão
Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira
A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos
Educadamente mortos
Mia Couto
sábado, 20 de março de 2010
Matar a sede com água salgada
Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.
Miguel Torga
sexta-feira, 19 de março de 2010
quarta-feira, 17 de março de 2010
Inicio, Anuncio, Denuncio
Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo
Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio
Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces
Mia Couto
in raiz de orvalho e outros poemas
para que sejas palavra do meu corpo
Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio
Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces
Mia Couto
in raiz de orvalho e outros poemas
terça-feira, 16 de março de 2010
3
Procuro entender como é que moldas
Os meus pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que és tu que me levantas
Que remendas o meu corpo cada dia
execerto de um poema de Daniel Faria
in Poesia
Os meus pés ao equilíbrio que os desloca no chão
Sei que és tu que me levantas
Que remendas o meu corpo cada dia
execerto de um poema de Daniel Faria
in Poesia
segunda-feira, 15 de março de 2010
A minha cabeça encostada ao teu peito
Caminaré ciego, porqué sé que miras
Dime con tus dedos
Que no habrá más peros
Que siempre seremos
Mientras nos toquemos
Facto Delafé y las flores azules
Dime con tus dedos
Que no habrá más peros
Que siempre seremos
Mientras nos toquemos
Facto Delafé y las flores azules
sexta-feira, 12 de março de 2010
quinta-feira, 11 de março de 2010
Nocturno
Espasmo del cuerpo, cuando entras en la noche
y el viento nocturno que alterará la meteorología.
De pie junto a una gran ventana victoriana
(pesados estores y un pedazo de un grand piano),
a tus espaldas las primeras estrellas
y las móviles dunas de un sol que se apaga.
Te gustaría quedarte así, permanecer en el aire
entre el silencio de la habitación y tu mañana,
existir como esa blanca mariposa al otro lado del cristal
a la luz del atardecer. Deseas (deseo)
que el mundo sea siempre así como
es cuando llena el vacío que dejas.
Abel Murcia
y el viento nocturno que alterará la meteorología.
De pie junto a una gran ventana victoriana
(pesados estores y un pedazo de un grand piano),
a tus espaldas las primeras estrellas
y las móviles dunas de un sol que se apaga.
Te gustaría quedarte así, permanecer en el aire
entre el silencio de la habitación y tu mañana,
existir como esa blanca mariposa al otro lado del cristal
a la luz del atardecer. Deseas (deseo)
que el mundo sea siempre así como
es cuando llena el vacío que dejas.
Abel Murcia
terça-feira, 9 de março de 2010
2
Amo-te como um planeta em rotação difusa
E quero parar como o servo colado ao chão.
Frágil cerâmica de poros soprados no teu hálito
Vasilha que ergues em tua mão de oleiro
Cálice que não pudeste afastar de ti.
Daniel Faria
in Poesia
E quero parar como o servo colado ao chão.
Frágil cerâmica de poros soprados no teu hálito
Vasilha que ergues em tua mão de oleiro
Cálice que não pudeste afastar de ti.
Daniel Faria
in Poesia
segunda-feira, 8 de março de 2010
domingo, 7 de março de 2010
quinta-feira, 4 de março de 2010
tu, sonho
Um cair de cabelos nos teus ombros,
um suspiro preso à lembrança que
ficou, um brilho que se demora nos
olhos à janela, um eco que não passa
na memória de um murmúrio, o
abraço em que o tempo se suspende,
a voz que dança por entre ruídos e
silêncio, as mãos que não se libertam
num gesto de despedida, lábios que
outros lábios procuram, uma luz
que alastra na sombra que desce,
e uma sombra que se ilumina quando
a noite já cresce: tu, sonho que
faz real a realidade com que te sonho
Nuno Júdice
um suspiro preso à lembrança que
ficou, um brilho que se demora nos
olhos à janela, um eco que não passa
na memória de um murmúrio, o
abraço em que o tempo se suspende,
a voz que dança por entre ruídos e
silêncio, as mãos que não se libertam
num gesto de despedida, lábios que
outros lábios procuram, uma luz
que alastra na sombra que desce,
e uma sombra que se ilumina quando
a noite já cresce: tu, sonho que
faz real a realidade com que te sonho
Nuno Júdice
terça-feira, 2 de março de 2010
segunda-feira, 1 de março de 2010
insustentável INDEFINIÇÃO do ser
entre mim e o meu silêncio há gritos de cores estrondosas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou a cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem
o mundo. eu sou o que não devia ser e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco de alegria,
porque mil mãos e dez mil dedos me percorrem o corpo
e me beijam. entre mim e o meu silêncio há uma
confusão de equívocos que não entendo e não admito.
sou arrogante, porque sou do país em que inventaram
a arrogância. sou miserável. que sei eu? sou um viajante
com destino traçado, como o fumo deste cigarro que
desaparece indeciso e já esqueceu de onde veio. e rio,
rio, rio, perdido e desalmado, de dentes sujos e quase
doente, porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer em cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo acesso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuves, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.
José Luís Peixoto
in a criança em ruínas
e magias recortadas dos sonhos que acontecem naturalmente.
eu sou a cama onde me deito, todas as noites diferente,
eu sou o sorriso estridente dos pássaros no céu todo,
eu sou o mar, o oceano velho a abrir a boca numa
gruta que assusta as crianças e os homens que conhecem
o mundo. eu sou o que não devia ser e rio, rio,
rio, porque sou puro, porque sou um pouco de alegria,
porque mil mãos e dez mil dedos me percorrem o corpo
e me beijam. entre mim e o meu silêncio há uma
confusão de equívocos que não entendo e não admito.
sou arrogante, porque sou do país em que inventaram
a arrogância. sou miserável. que sei eu? sou um viajante
com destino traçado, como o fumo deste cigarro que
desaparece indeciso e já esqueceu de onde veio. e rio,
rio, rio, perdido e desalmado, de dentes sujos e quase
doente, porque minha é esta esperança e esta vontade
de nascer em cada manhã, em cada rosto, em cada
fósforo acesso, em cada estrela. rio, rio, rio, porque meu
é o amor e o luto e a fome e todas as coisas
que fazem esta vida que não entendo e persigo.
eu sou um homem vivo a sentir cada pedra,
eu sou um homem vivo a sentir cada montanha,
eu sou um homem vivo a sentir cada grão de areia.
desordenadamente, eu sou alguém que é eu sem o saber,
entre mim e o meu silêncio há um desentendimento
esculpido nas flores e nas nuves, rio, rio, rio,
eu sou a vida e o sol a iluminar-me.
José Luís Peixoto
in a criança em ruínas
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